Viver com Síndrome de Angelman
Cecilie parece ter as actividades normais de uma criança de 4 anos: esta menina loira de olhos azuis vê televisão (adora o actor Rowan Atkinson no papel do desastrado Mr. Bean), gosta de dar comida aos patos no lago perto de casa, nas proximidades de Copenhaga, e diz algumas palavras (das quais as mais importantes são sim e não). Contudo, Cecilie tem 12 anos e sofre de Síndrome de Angelman, uma doença genética complexa que afecta principalmente o sistema nervoso. As características distintivas desta doença são o atraso no desenvolvimento, a incapacidade intelectual, as deficiência da fala e os problemas de movimento e equilíbrio.
«Cecilie nasceu muito pequena, com cerca de 2,5 kg. Após o seu primeiro aniversário, começou a ser acompanhada no domicílio por um fisioterapeuta e, mais tarde, por um terapeuta da fala, para com ela realizarem exercícios, pois não estava a andar e tinha dificuldade em falar. Ainda assim, não nos preocupámos muito, pois pensávamos que a sua pequena estatura e o seu peso à nascença constituíam uma desvantagem da qual ela viria a recuperar», recorda a sua mãe, Jane Villemoes. Mas Cecilie não recuperou e, antes do quarto aniversário, foi-lhe diagnosticada a síndrome de Angelman. Jane e Peter nunca tinham ouvido falar da síndrome de Angelman, quanto mais de doenças raras. «Após o diagnóstico, estávamos ansiosos por chegar a casa e pesquisar na Internet. Descobrimos a Organização Dinamarquesa de Angelman e lemos tudo», lembra Jane. Jane veio a saber mais tarde que embora a síndrome de Angelman seja geralmente provocada por uma mutação genética espontânea, a sua família apresenta um caso muito raro de síndrome de Angelman hereditária – entretanto, foi já diagnosticado este problema a outro membro da família.
A maioria dos doentes que sofre de síndrome de Angelman tem grande dificuldade em dormir. O sono de Cecilie melhorou muito, embora por vezes ainda acorde de noite. «Só volta a adormecer na minha cama. Tenho de admitir que a educação à noite, sobre o local de dormir,… não é a minha prioridade. Por isso, ela vem para a minha cama e dorme, e eu tento dormir também”, desabafa Jane. Mas deixem-nos adivinhar: Muitas mães fazem o mesmo! Sobretudo mães que trabalham, como Jane, que é coordenadora de vendas.
Cecilie frequenta uma escola especial. «A escola tem apenas cerca de 100 crianças. Não existem condições específicas para Cecilie, mas a escola dedica-se a crianças com deficiências diversas. Por exemplo, além da fala, todos comunicam entre si através de linguagem gestual. Utilizam-se ainda muitas imagens – o que é muito bom para as crianças», declara Jane.
Jane Villemoes é a recém-eleita presidente da Organização Dinamarquesa de Angelman (ANGELMANFORENINGEN), após ter sido membro da direcção durante 3 anos. A associação foi criada em 1995 e conta, no total, com 70 famílias como membros. «Temos diferentes actividades para as famílias, fins-de-semana e casas de verão. Organizamos ainda um fim-de-semana sem as crianças, onde “mimamos” um pouco os pais (num bom hotel, com boa comida e diferentes especialistas com quem podemos aprender). Além disso, organizamos um dia para os professores, educadores, etc., em que proporcionamos informações e educação acerca da síndrome de Angelman, trocamos experiências e ajudamos as pessoas que contactam diariamente com os nossos filhos a compreendê-los melhor.» Estes encontros também ajudam Jane a lidar com a síndrome de Cecilie. «É incrível o quanto uma boa conversa com outro pai ou mãe me pode motivar. Porque ali, à minha frente, está alguém que compreende perfeitamente o que é viver com a síndrome de Angelman.»
Cecilie tem andado bem. Adora a escola e o Mr. Bean. «É uma das raras crianças com síndrome de Angelman que conheço que consegue dizer algumas palavras e é possível entendê-la bastante bem quando usa linguagem gestual, fala e recorre à linguagem corporal, mesmo para pessoas que não a conhecem», diz Jane Villemoes. Mas o maior medo da mãe de Cecilie ainda pertence ao futuro. A mãe diz, com uma sinceridade extrema e muito sentida, «espero que haja um lugar bom e agradável para ela ficar quando deixar a nossa casa, que tenha pessoas simpáticas à sua volta e que tomem bem conta dela, sobretudo quando nós – os seus pais – já aqui não estivermos. Que pessoas simpáticas lhe dêem prendas de aniversário, a tragam para casa no Natal e a levem a ver lugares que lhe tragam alegria. Para ser totalmente honesta, espero que a minha filha morra antes de mim, para que eu possa morrer e não ter que me preocupar com a minha filha. Sei que este é um desejo muito estranho, mas não consigo imaginar o inverso. É algo muito brutal para se dizer – e espero mudar de opinião à medida que os anos passem.»
Autor: Nathacha Appanah
Tradutores: Ana Cláudia Jorge e Victor Ferreira
Fotos: © Jane Villemoes
Este artigo foi originalmente publicado no número de Novembro de 2010 do boletim informativo da EURORDIS.