A doença de Strümpell-Lorrain
«O meu pai deixou de poder andar prematuramente e teve de passar a usar uma cadeira de rodas. Apesar disso, a possibilidade de uma doença hereditária na família nunca nos passou pela cabeça», conta Philippe Grammont, fundador e Vice-Presidente da Associação Francesa de Strümpell-Lorrain (A.SL). «Os primeiros sintomas da doença apareceram quando eu tinha 35 anos: problemas ao correr e fatiga nas pernas. Três anos mais tarde um exame revelou que o meu cerebelo estava atrofiado. No entanto, passaram-se muitos anos até ter um diagnóstico correcto: doença de Strümpell-Lorrain, também chamada paraplegia espástica familiar. Era o que o meu pai tinha e que me transmitiu a mim e a um dos meus irmãos. Os meus outros dois irmãos e a minha irmã não herdaram o gene defeituoso. A evolução da doença de Strümpell-Lorrain varia de indivíduo para indivíduo. É por isso que o meu irmão, que tem praticamente a mesma idade que eu, ainda consegue andar com uma bengala enquanto eu já há vários anos que ando de cadeira de rodas. A doença afectou a família toda. Os exames mostraram que no meu caso o gene responsável pela paraplegia espástica é dominante, o que significa que as minhas filhas têm 50% de hipóteses de também virem a ser afectadas. Durante muitos anos este risco angustiava-as e por isso evitávamos falar no assunto. Entretanto acabámos por falar nisso e elas agora encaram o futuro com confiança, ainda que o risco continue presente.»
Na altura em que Philippe sentiu os primeiros sintomas da doença, a paraplegia hereditária espástica ainda não era bem conhecida, o que causava um sentimento de isolamento entre os doentes afectados. Por essa razão, Philippe decidiu criar a Associação Strümpell-Lorrain em 1992, com o objectivo de juntar os doentes franceses. Actualmente, a associação tem 700 associados espalhados por toda a França. Desde então, Philippe já contactou com muitos doentes com paraplegia espástica por toda a Europa para os convencer a criar associações de doentes nos seus respectivos países. Até agora já foram criadas 14 associações, algumas das quais em conjunção com associações de doentes com ataxia, uma vez que as patologias são semelhantes (afectam o cerebelo e/ou a medula espinal). Ele deslocou-se inclusivamente à Alemanha, Espanha, Inglaterra e Suíça para tratar do desenvolvimento da rede europeia. «Apesar de não falar bem outras línguas, primeiro sinto-me europeu e só depois francês», afirma Philippe. «O que faz mesmo falta agora é uma federação europeia que reúna todas as associações sob a mesma bandeira. Por vezes, os doentes com que estou em contacto preferem criar uma delegação local da A.SL do que criar a sua própria associação, o que diminui o impacto que poderíamos ter.»
Mas as actividades de Philippe Grammont não se limitam à A.SL: também desempenha um papel activo na SPATAX1, uma rede europeia dedicada às ataxias e à paraplegia espástica, criada em 2001 e apoiada pelo INSERM2 e pela AFM, e que reúne 27 equipas de 13 países europeus. Esta rede reúne-se uma vez por ano para partilhar os últimos desenvolvimentos da investigação. Paralelamente à SPATAX, também se envolveu na federação francesa de doenças raras (Alliance Maladies Rares), da qual a A.SL é associada, tendo assumido o cargo de delegado na região de Franche-Comté. Uma vez que Philippe atribui grande importância ao desenvolvimento de redes europeias, a A.SL tornou-se associada da Eurordis. Foi, aliás, na sequência disso que ele esteve presente nos Encontros de Associados da Eurordis de 2003 em Namur e de 2006 em Berlim. «Para mim, Berlim foi uma ocasião única para me encontrar com pessoas afectadas pelas doenças raras. Concentrar-me na minha própria doença não é para mim, eu preciso é de ajudar as outras pessoas que têm doenças raras.» Para além de tudo isto, Philippe participou ainda no concurso fotográfico de 2006!
Sem qualquer preocupação de ordenação, aqui ficam algumas das actividades a que Philippe se dedica: organização do passeio anual das doenças raras em Besançon; organização do fórum anual sobre doenças raras na região de Franche-Comté, que tem sempre um grande sucesso entre os profissionais de saúde; criação de um filme sobre a paraplegia espástica para promover a consciencialização sobre a doença e apoiar os doentes na sua vida quotidiana; e participação na Universidade de Verão sobre saúde pública. Philippe nunca desiste e até ele se queixa da falta de voluntários nesta área. «Os meus projectos ajudam-me a seguir em frente. O facto de estar ocupado com os outros ajuda-me a vencer os meus próprios problemas.»
1Spastic Paraplegia – ATAXia (Paraplegia Espástica – Ataxia)
2Institut national de la santé et de la recherche médicale (Instituto Nacional da Saúde e da Investigação Médica)
3Association Française contre les Myopathies (Associação Francesa contra as Miopatias)
Este artigo publicou-se previamente no número de Outubro de 2006 de nosso boletim informativo.
Autor: Jerome Parisse-Brassens
Tradutores: Ana Cláudia Jorge e Victor Ferreira
Fotos: © Philippe Grammont / Association Strümpell-Lorrain